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Sou teimosa. A vida não é boa. Trabalhar não é gostoso. A literatura é um espaço de liberdade.

Telma Scherer




Prestígio, para mim, amoragem, sempre foi um chocolate com recheio de coco.

Famas são serzinhos inventados por Cortázar (Histórias de cronópios e de famas) os quais, apesar de dançarem trégua e catala (isso me parece extremamente divertido), não provocam a mesma simpatia dos cronópios, que são distraídos e atabalhoados (é com esses que me identifico).


Dinheiro é aquilo que paga conta. E o que geralmente falta. As economias que fiz, desde o doutorado, estou gastando com a minha licença para tratar de interesses particulares, que é voluntária e sem vencimentos. Graças a elas, estou vivendo, sem salário, desde fevereiro de 2023.


Pago aluguel, não tenho carro, nem heranças, nem terras, nem imóveis, nem negócios.


Passei em um concurso público na base do estudo, da dedicação e da excelente formação que me foi oferecida em casa, em uma escola pública, e depois na Ufrgs, na Udesc e na Ufsc.


Tive o privilégio de crescer em uma família que comprava e recebia livros em casa, minha mãe foi professora de Português e o meu pai músico "nas horas vagas". Ambos vieram de famílias pouco favorecidas de uma cidade de interior, sem posses nem renome. Meu tataravô alemão, que eu saiba, era um soldado mercenário (ou seja, capanga), quando veio para o Brasil; meu avô foi balseiro e, depois, oficial de justiça.


Por tudo isso, na adolescência, ao sentir que eu queria me dedicar à arte, ser atriz, dramaturga, diretora, também percebi que isso seria impossível, em termos materiais. Papel e caneta estavam disponíveis. Comecei a escrever. Conheço literatura o suficiente para saber que, até hoje, não compus obra importante. Continuo: sou teimosa. A vida não é boa. Trabalhar não é gostoso. A literatura é um espaço de liberdade.


Adoraria alcançar milhares de leitores, ter atividades agendadas no exterior, etc., mas faço tiragens de 50 exemplares, nas editoras pequenas com as quais trabalho, e duram um tempão. Essa é a minha realidade, como autora.

Nunca ganhei dinheiro com meus livros e ninguém ficará rico às minhas custas, é só perguntar a qualquer profissional do livro no Brasil. Essa é a condição da imensa maioria.


Também não tenho nenhum prêmio de âmbito nacional, e os locais foram editais públicos para projetos que me renderam edições de, no máximo, 1.000 exemplares (na década passada, obviamente).


Bons amigos, amigas queridas, e gente muito, muito legal e bem formada me lê, de tempos em tempos, aqui e ali, e é sempre uma felicidade receber esses retornos. Fiz livros que não foram lidos por mais de 20 almas. Outros reverberaram mais. Não estou me depreciando: é a minha realidade.


Através das performances, sim, atingi públicos numerosos, pois rodava com elas durante anos, apresentava trabalhos em festivais, visitava comunidades, organizava saraus, dava oficinas, tudo isso. Era trabalho, trabalho pouco e mal remunerado, mas trabalho emocionante, alegre, enriquecedor em termos de sensibilidade partilhada.

Nunca quis ser professora universitária, mas sempre tive facilidade de comunicação com as plateias, por ter estudado teatro "nas horas vagas", também, e ser muito estudiosa.


Apesar de amar a pesquisa, não tenho quaisquer vaidades acadêmicas, não pretendo construir grandes núcleos, igrejas, castelos, nem influenciar ninguém. Em 5 anos de Ufsc, não me credenciei na pós-graduação. Queria terminar o probatório e tirar minha licença antes. (Essa licença é um sonho antigo, mas não era para ter sido realizada do modo como aconteceu.)


A pandemia tornou tudo mais lento e pesado; adoeci de cansaço, de falta de alegria, fiquei sem energia e sem vontades.


Se alunas e alunos gostaram das minhas aulas, e acho que várias gostaram, mesmo, é porque sou uma palhaça idiota, tão idiota quanto compreensiva em relação às necessidades das pessoas. Tento fazer as coisas de um modo razoável, mas não gosto de comandar, não tenho vocação ser mandante, nem para a perpetuação de tradições.


Também não sou exemplo para nada. Muito menos na área de Letras. Nem sou formada em Letras: fiz Filosofia e, bem mais velha, quando pude, fiz Artes Visuais (foram os melhores anos da minha vida, confesso, e entrei no curso meio que por acaso, numa sobra de vagas para retorno de graduados).


Considero as redes sociais ambientes ótimos para a observação das fantasias humanas, são espaços de comunicação habitados por personas e desejos que me interessam do ponto de vista literário. Faço várias experimentações aqui. Exercícios de escrita, testes, piadas e amizades divertidas.


É um porre uma postagem como esta, mas senti a necessidade de fazê-la, para que as pessoas tenham uma dimensão mais sensata de quem sou e saibam que constroem muitas ilusões. O espaço virtual é sede para isso, mesmo.


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Telma Scherer é poeta, escritora, artista plástica e professora de literatura brasileira na Universidade Federal de Santa Catarina, faz dança contemporânea e tem trabalhos na área da pintura e da poesia expandida. É autora de quatro livros na Terra Redonda: Squirt, O sono de Cronos, Oponente+Isto e Memórias dos meus cios à venda no site da editora e agora também na Amazon.

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