Com Dona Jacira, eu escutava 'Mãe' de trás para frente
- terraredondaltda
- 1 de ago.
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Toni Marlon, colunista do ECOA, no UOL, em 1/8/2025

Outro dia, a Dona Jacira me contou desse jeito: "Eu agradeço uma voz que ficava falando dentro de mim que viria gente me ler e ouvir. Eu não acreditava. Eu estava errada", no que eu respondi: nós viemos, a sua multidão. Sobre isso, ela soltou um sorriso. Era uma despedida.
Jacira Roque de Oliveira, que passou pela vida sendo escritora, artista plástica, poeta, artesã, existindo de tantas incontáveis maneiras, fez a sua passagem na segunda-feira, 28, aos 60 anos.
Não anda mais com a gente a mulher "com a cabeça incrível cheia de passarinho". Deve de ter virado um amarelo. Que sabia encontrar de longe as plantas e as palavras certas para cada instante, e agora é uma: saudade. Acho que eu vi a sua voz num Girassol, na última terça-feira à tarde.
Não teve uma vez sequer que, em festa, em show, em casa mesmo, sozinho, cantar os versos de "Mãe", até em silêncio, no metrô, não fosse um jeito de dizer às nossas: eu também te vejo, eu também celebro você, desse mesmo jeito.
Nos minutos finais dessa música do filho, Dona Jacira nos conta a história a partir de onde viu acontecer. Aquele pedaço, com as suas palavras e a sua voz, virou uma oração para olhos fechados, uma espécie de ritual em cada apresentação do Emicida. Perdi a conta de quantas vezes assisti a essa cena, pessoas tão diferentes entre si, que encontravam nela tantas mães do Brasil.
Quando contei da ideia de tê-la aqui, escrevendo todas as semanas para o UOL, me respondeu antes mesmo de eu acabar de falar que já havia contado tudo sobre como foi criar os filhos, que "sobre isso eu não escrevo mais, não". Soltou um suspiro um pouco depois, quando escutou que eles já eram grandinhos, que contassem a si mesmos de agora em diante. "Este convite é sobre a senhora". Daí, ela soltou um sorriso.
Por dois anos, as suas colunas arrastaram os nossos sentidos ao mundo enraizado nos seus olhos. Em nosso último encontro, Dona Jacira contou que para plantar imaginações era preciso semear ideias com outros jeitos de escrever. E foi isso que ela fez, texto por texto. Às vezes, uma linha vinha com três palavras e só.
"Era tudo que eu precisava que você lesse até aqui", me explicou naquele dia. "O resto, no caminho eu te conto". E eu ia, centenas de pessoas foram, semana após semana. Coluna depois de coluna.
No texto de despedida em abril de 2023, escreveu assim nas últimas linhas: "Eu sou o cavalo que me rege. Eu sou a Dona Jacira, a Yaci Ira, a dona de mim (...) Não vou me despedir de vocês, isto é apenas um até breve". Ela escreveu sobre a coluna, eu peguei emprestado sobre ela. Até breve.
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Toni Marlon, colunista do ECOA, no UOL, é jornalista e escritor conhecido por seu trabalho comprometido com a transformação social por meio da comunicação e da educação. .





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