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MST comemora 40 anos


Escola Nacional Florestal Fernandes - Foto: (c) Guilherme Purvin

Na manhã do último dia 27 de janeiro, a Escola Nacional Florestan Fernandes, no município de Guararema, Grande São Paulo, recebeu milhares de pessoas vindas de todo o país e, ainda, do exterior, para as comemorações dos 40 anos de fundação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Dentre elas estavam diversos ministros do atual governo federal, como Luiz Marinho (Trabalho e Emprego), Márcio Macedo (ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República do Brasil) Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar) e Silvio Almeida (Direitos Humanos e Cidadania), além de conhecidos intelectuais e políticos do espectro político da esquerda brasileira, como Bernardo Mançano, Eduardo Suplicy, Sâmia Bonfim e Valério Arcary.


Escola Nacional Florestal Fernandes - Foto: (c) Guilherme Purvin

O MST, hoje, é o mais importante movimento ambientalista do Brasil e, provavelmente, do mundo. Desde o momento em que decidiu trazer em suas bandeiras a causa da agroecologia, deu um passo decisivo na luta pela vida no Planeta Terra: não se trata pura e simplesmente de lutar contra o latifúndio improdutivo. Na verdade, atualmente o número de propriedades rurais não exploradas economicamente é, aparentemente, mais reduzido do que há 40 anos, quando da fundação do movimento. O que se deve buscar hoje é, acima de tudo, uma utilização racional e ecológica da terra, com a produção de alimentos saudáveis para o povo. Trata-se, pois, de uma luta que conjuga a justiça agrária com a justiça ambiental. Por isso, dentre as metas do MST ao lado do assentamento de terras e da erradicação do analfabetismo está o plantio de cem milhões de mudas de árvores nativas no país.


Dentre as lições que a história do MST nos ensina está a do internacionalismo. Nesse sentido, o Ministro Silvio Almeida ressaltou a importância da solidariedade com todos aqueles que estão sofrendo no planeta:


Ministro Silvio Almeida - Foto: (c) Guilherme Purvin

"É nossa relação com a América Latina, a nossa relação com os nossos companheiros e companheiras que sofrem também no norte global. (...) É a nossa solidariedade com o povo palestino, a nossa solidariedade com todos aqueles que sofrem no mundo. Portanto, pensar a política direitos humanos nacional é pensar também a nossa solidariedade e a nossa forma de ajudar todos aqueles que precisam de nós. Os migrantes que vêm aqui, nós precisamos acolher esse povo. Nós precisamos respeitar essas pessoas".


O MST está, assim, na linha de frente da defesa intransigente do Direito Constitucional Ecológico em nosso país. Ou, se preferir, do Direito Socioambiental. Vários representantes do governo do Partido dos Trabalhadores (PT) ressaltaram em seus discursos que estão na mesma luta, mas "em trincheiras diferentes". De certa forma, transmitiram um recado importante: é grato ao MST, que esteve, ao longo de todo o período de encarceramento de Lula em Curitiba, em vigília, acampado nas proximidades da Polícia Federal, desejando bom dia e boa noite ao presidente, até sua libertação. No entanto, o atual governo federal não é um governo do MST. Acrescentaria: infelizmente. Como disse um dos expositores: "Somos uma alternativa de governo. Precisamos ainda nos tornar uma alternativa de poder".


O fundamento constitucional da luta do MST está no art. 186 da Constituição Federal: A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.


Hoje, é bem mais reduzido o número de propriedades rurais que não atingem os índices de aproveitamento da terra fixados pelo INCRA. Todavia, verifica-se que, em muitos casos, esses índices somente são alcançados a partir de uma utilização inadequada dos recursos naturais e da degradação do meio ambiente, quando não da afronta direta às disposições que regulam as relações de trabalho e ao desfavorecimento do bem-estar dos trabalhadores.


Em 2001, por ocasião de nossa defesa de tese de doutorado sobre o tema "A dimensão ambiental da função social da propriedade" (cf. nosso "A Propriedade no Direito Ambiental", 4ª Ed., Revista dos Tribunais), sustentávamos que a regra do art. 185, inc. II, da Constituição Federal, que considera insuscetível de desapropriação para fins de reforma agrária a propriedade produtiva, só se aplica quando o índice de produtividade for alcançado de acordo com as regras estabelecidas constitucional e legalmente. Latifúndios que produzem graças ao uso desregrado de agrotóxicos, ao desmatamento de áreas de preservação permanente e de reserva legal, ao trabalho em condições análogas à escravidão, não podem jamais ser considerados produtivos. Títulos de propriedade que não comprovem cadeia de dominialidade, terras griladas do Poder Público ou, mais grave, usurpadas do usufruto perpétuo dos povos originários, não estão ao abrigo da Constituição Federal.


Veja abaixo trecho da exposição de encerramento da representante do MST:


Por ocasião das comemorações dos 40 anos do MST, foi lida uma carta aberta, a seguir transcrita:


CARTA ABERTA DO COMPROMISSO DO MST COM A LUTA E O POVO BRASILEIRO


Quarenta anos depois que mulheres e homens, trabalhadores rurais, tiveram a ousadia e a coragem de desafiar o latifúndio e criar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nós, integrantes da Coordenação Nacional do MST, nos reunimos em nossa Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema (SP).

Nos reunimos para celebrar nossa ancestralidade indígena, africana e camponesa de tantas lutas históricas do povo brasileiro e para celebrar a longevidade da nossa organização.


Nos reunimos para celebrar a conquista da terra. Somos 450 mil famílias assentadas e mais de 65 mil famílias acampadas. Nos territórios libertados das cercas da ignorância e da miséria, organizamos centenas de cooperativas, agroindústrias e escolas do campo. Celebramos a dignidade dos que agora produzem alimentos e protegem a casa comum, nossa mãe Terra.

É esta dignidade e altivez que inspiram a luta pela Reforma Agrária Popular a enfrentar a violência das milícias rurais e a lentidão do Estado, sem recuar na firme decisão de fazer cumprir a Constituição brasileira: a terra deve ser democratizada para cumprir sua função social de produzir vida digna à população camponesa, alimentos saudáveis e preservar a natureza.

Celebramos a organização dos trabalhadores e trabalhadoras que enfrentaram com coragem e determinação o golpe de 2016, os retrocessos dos direitos e o desprezo pela humanidade do governo Bolsonaro na pandemia da Covid-19. Com resistência ativa nos acampamentos e assentamentos, construindo a Reforma Agrária Popular, priorizamos a vida, fortalecemos as ações de solidariedade e as mobilizações populares em todo o país.


Esta organização foi determinante para eleger o Presidente Lula e sua vitória eleitoral foi um marco importante na luta internacional contra a ofensiva da extrema-direita. Construímos e participamos desta conquista. E, apoiamos todas as iniciativas do governo para enfrentar a fome, a miséria, o desemprego e para reindustrializar o país sobre novas bases sustentáveis. O Presidente Lula tem diante de si muitos desafios e obstáculos e sabe que somente a mobilização e a participação popular são capazes de realizar as transformações estruturais que nossa sociedade tanto precisa.

Nestas quatro décadas, enfrentamos inúmeras tentativas de criminalizar a luta social. Nenhuma organização sofreu tantas ameaças de Comissões de Parlamentares pelas forças conservadoras. Celebramos e agradecemos a solidariedade que recebemos diante da tentativa fracassada da bancada ruralista e da extrema-direita em nos criminalizar com a abertura de uma CPI contra o MST, que também buscou intimidar o governo Lula.


Nos preocupamos com o acirramento dos conflitos no campo, marcado pela criminalização e pelos assassinatos de lideranças quilombolas, indígenas e camponeses Sem Terra por todo o país.

Iniciativas como “Invasão Zero” estimulam a escalada de violência das milícias de Latifundiários e setores do Agronegócio em defesa do atraso e de um dos maiores índices de concentração de terras no mundo. Nos solidarizamos aos familiares dos que tombaram na luta pela terra, na defesa dos bens da natureza e reconhecimento de seus territórios.

Promotora da morte, a Bancada Ruralista aprovou a liberação desenfreada do uso dos agrotóxicos, atacou as terras indígenas, despejou dinheiro em falsas soluções para a crise climática e financiou a tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023.

Nos preocupamos que o primeiro ano do governo Lula terminou com o mesmo número de famílias acampadas do início do seu mandato. As possibilidades para resolver esse passivo são muitas, desde que haja determinação do governo em enfrentar a grilagem e a concentração agrária que historicamente marcou a estrutura fundiária brasileira.


Isso exige ainda um orçamento para o Ministério do Desenvolvimento Agrário e para o INCRA que seja capaz de retomar as políticas públicas para a reforma agrária em 2024, e que tenha condições reais de estruturar e fortalecer a organização daqueles e daquelas que produzem alimentos saudáveis, zelam da natureza e promovem justiça social.

A Reforma Agrária é uma ação estruturante e estratégica para combater diversas mazelas econômicas e sociais em nosso país, como a destruição da natureza, o desmatamento e o garimpo ilegal, a fome que assola a vida de milhões de pessoas, a concentração da renda e poder.

Por isso, nos comprometemos em seguir lutando pela democratização do acesso à terra, zelando pelos bens da natureza e pelas garantias dos direitos dos povos e comunidades do campo, das águas e das florestas em exercer a autonomia em seus territórios.


Reafirmamos nosso compromisso com o povo brasileiro e com a construção de uma nação mais justa e igualitária através da luta e da construção da Reforma Agrária Popular. Mais do que a democratização da terra, a reforma agrária, para nós, deve produzir alimentos saudáveis para alimentar todo o povo brasileiro, proteger os bens comuns da natureza e construir uma vida digna no campo.

Nos comprometemos em lutar contra a crise climática criada pelos países do Norte Global, pelos ricos do mundo, pelas transnacionais poluidoras e pelo agronegócio. Nos comprometemos com a preservação dos bens comuns da natureza e mantemos nossa meta de plantar 100 milhões de árvores e exigimos que os governos assumam o compromisso com o Desmatamento Zero e uma política massiva de reflorestamento.


Nos comprometemos em lutar contra todas as formas de opressão e injustiça, em enfrentar incansavelmente toda forma de racismo, discriminação e LGBTfobia. Somos solidários e não nos calaremos diante do genocídio do povo palestino em Gaza, conduzido pelo Estado de Israel e pelos Estados Unidos, e nem diante da prisão ilegal de Julian Assange, ativista da democratização da informação e denunciante dos crimes de guerra dos Estados Unidos.

Por fim, reafirmamos o compromisso que assumimos há quarenta anos atrás: lutaremos até que os males do latifúndio sejam extintos de nossa sociedade e com ele toda opressão, miséria, destruição ambiental e fome.

Queremos reafirmar estes compromissos na luta cotidiana, mas especialmente, em nosso VII Congresso Nacional, a ser realizado em julho deste ano em Brasília (DF).

E, convidamos o povo brasileiro a celebrar nossa cultura e nossa produção e em conhecer a atualização de nosso Programa de Reforma Agrária Popular e o que propomos para construir um campo e um país de vida digna e saudável!


Viva o povo brasileiro! Viva a luta popular!

Lutar, construir Reforma Agrária Popular!

Rumo ao VII Congresso Nacional do MST!


Escola Nacional Florestan Fernandes, Guararema, 27 de Janeiro de 2024.

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST


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Guilherme Purvin é escritor, graduado em Letras, doutor em Direito pela USP e autor de "Paredes Descascadas" (Terra Redonda, 2023), dentre outros livros de ficção. É Procurador do Estado/SP Aposentado e Professor de Direito Ambiental. Esteve presente ao evento na condição de diretor do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública (IBAP), entidade parceira da Terra Redonda.

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