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Quando se perde mais um amigo

Por Mariana Belmont, em 16/09/2021, no Ecoa/UOL.


Antes de começar eu dei três respiradas profundas e pensei dentro de mim: "não aguento mais".


Esta minha coluna, vocês sabem, é um respiro profundo sobre o mundo, sobre essa cidades e outras, sobre um ambiente possível, é sempre sobre mim, mas também sobre todo mundo, é bem uma caixa de surpresas toda semana, até eu me surpreendo às vezes. Agradeço ao Ecoa por abrir esse espaço e me deixar escrever a partir de um lugar fora do normal.


No último ano trouxe para cá perdas de amigos, coisas que não consegui ainda entender como aconteceram rápido, em qual momento. Amigos que comigo construíram cidades, pensamentos e futuros que foram tão bonitos. Imagine só, nesse período quanta gente não perdeu mais gente com quem construiu futuros, e esperava fazer por mais tempo, muita gente.


Olhar para isso é triste e solitário, não tem o encontro com outras pessoas para misturar vozes de lembranças.


Depois de duas semanas acho que consigo escrever sobre mais uma perda, não dá para medir o tamanho do buraco que abre na gente quando se vai, sem esperarmos, uma pessoa que a gente respeita, gosta e admira.


Trabalhei em muitos lugares na minha vida e sempre levo comigo quem me ajuda a dar contorno para quem eu sou na vida. Tive a oportunidade imensa de fazer parte de uma equipe incrível na Secretaria de Habitação da cidade de São Paulo, que trabalhava muito em conexão com a Cohab-SP, dois lugares comandados pelos mestres João Whitaker e Geraldo Juncal, uma dupla que formou equipes incríveis de pessoas que pós gestão em 2016 viraram amigos.


Há duas semanas perdemos o Gera, era para ser uma cirurgia que imaginamos ser tranquila, esperamos a volta dele. Rezamos, nos falamos o tempo todo no grupo de amigos, esperando notícias diárias. Não passou pela cabeça que Gera não voltaria. Dias antes ele escreveu no grupo que "entraria na faca" de novo e que era para pensarmos positivo para ele voltar bem. Eu tinha certeza que ele voltaria bem. Mas Gera não voltou, e até agora eu ainda não acredito nisso.


Diante da notícia, senti meu corpo inteiro esfriar e tremer, meu coração apertado. Fui em busca de imagens que eu tinha feito dele, tenho muitas fotos do Gera, porque, aos sábado, quando trabalhávamos juntos, eu estava com ele e equipe em alguma Cohab por São Paulo em algum mutirão de renegociação. Cada quebrada, cada mutirão, mesmo aos sábados o Gera estava lá acompanhando, sentando na mesa e ajudando a conferir documentos.


Absolutamente em todas as fotos ele estava sorrindo, falando com alguém, ajudando ou reunindo para conversarmos. Porque ele era aquela pessoa que já chegava nos lugares sorrindo, abraçando, tudo cabia naquele homem grande e com o abraço ainda maior. Era quem agregava, juntava, agradecia. Elogiava o trabalho, nunca pediu, só sorria.


E aí um dia, no meio do dia, perdemos o Gera. A gente na hora busca razões, acha injusto, talvez seja, talvez não. Eu não sei, toda vez que uma coisa assim acontece eu me volto para dentro, choro, choro, choro.


João fez umas postagens com imagens do Gera, coisas bonitas de ler, recomendo. Afinal, o Gera fez parte de uma busca por revolução na cidade, na busca incansável por um lugar justo de vivermos, olhando para as pessoas dos territórios periféricos primeiro. No post, o João lembrou que "acho que Gera devia saber o nome, o apelido, de cada uma das pessoas com quem cruzou pela vida de militância. Gera se entregou completamente a isso, não tinha firulas, luxos, nada além da mais verdadeira simplicidade de ser".


O Gera ensinou a gente a sorrir em qualquer momento, agregar a equipe, agregar os amigos, não deixava a gente se soltar a mão. Falávamos todos os dias, dúvidas, análises e tantas coisas acontecendo, e já planejando o churrasco de gato na laje do nosso Mário Reali, em Diadema. E quando a gente se encontra é festa e alegria.


Em 2016 quando fomos demitidas na mudança de gestão, ele nos procurou para saber se estávamos bem, precisávamos de algo, se já tínhamos emprego. Escrevia para saber como a gente andava e se não estava rolando perrengue. O Gera era enorme, coração, alma de um gigante.


Ano passado, em uma discussão acalorada no nosso grupo, eu sai irritada, chutando a porta (rs). Mais que imediatamente o Gera me chamou no privado, mandou um áudio enorme e a frase "não faz isso, Mari, na boa". Na hora eu pensei "cara, eu irritei o cara mais legal do grupo, por que eu saí?". Levei maior bronca e voltei ao grupo.


Ouvi esse áudio no dia que perdemos o Gera e percebi o tamanho dessa falta que o Gera vai fazer aqui e no mundo. Para a família dele, no trabalho que ele construiu e amava, para nós seus amigos e para as cidades. Os sonhos inspiradores de lugares melhores da gente viver.


Então é isso, queria usar esse espaço para homenagear e contar para mais gente que Gera de alguma forma fez parte da sua vida também, mesmo que você não tenha conhecido ele. Afinal, ele foi uma grande referência na defesa do direito à moradia digna e à cidade. Foi um militante frequente e parceiro de diversos movimentos sociais por moradia, dedicando sua vida na transformação sonhada para a nossa sociedade.


Gera, meu amigo e meu mestre, você era a pessoa mais humilde que eu conheci, mas você imagina só o quanto a gente aqui gostava de você? Te admirava? Obrigada por tanto, amigo. Obrigada por tudo. Obrigada, Gera Genial!!


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** Este texto reflete, necessariamente, a opinião da Terra Redonda. Mariana Belmont é uma querida, muito linda e muito boa de briga!

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