Esse governador precisa renunciar e ter seu ímpeto assassino bloqueado
- terraredondaltda
- há 13 minutos
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Gabriela Tunes

Ainda que a policia carioca tivesse matado 120 bandidos, o que aconteceu ontem é de um grau de inadmissibilidade que não sabemos nem dizer. E eu duvideodó que um policial, no meio de um tiroteio, seja capaz de distinguir com um mínimo grau de precisão quem é bandido de quem não é.
O critério deles tem sido basicamente a cor da pele, o tipo de cabelo, as roupas, o local de moradia, o gênero. Dessa vez, porém, houve um requinte de crueldade a mais: a polícia armou uma emboscada na mata próxima à comunidade e matou as pessoas ali. Hoje, os moradores retiraram mais de 70 corpos do mato. O governador disse que, se estava no mato, bandido era. Foi esse o critério. Se alguém entrou em pânico e fugiu para o mato, virou bandido e morreu. O governador cinicamente disse que somente os policiais foram vítimas, mas essa é a maior mentira de todas.
Quando as forças policiais assassinam um suspeito, elas transformam o suspeito em vítima. Sendo assim, todos os mortos são vítimas. Assim como os seus familiares. Quando o governo de um estado da federação, mesmo dispondo de todo o aparato de segurança pública estatal, precisa assassinar 120 pessoas para apreender uma mísera centena de fuzis e 200 kg de drogas, ele atesta toda a sua incompetência como gestor da segurança pública. Pois nenhuma cidade brasileira nunca foi tão insegura quanto o Rio de Janeiro ontem, quando uma das maiores operações no campo da suposta segurança pública foi empreendida.
Não é possível que os planejadores disso não entendam que uma comunidade não é uma trincheira de guerra, que ali há GENTE morando, pessoas que deveriam estar vivendo suas vidas normalmente sendo literalmente atravessadas por tiros de fuzil que partem da polícia que as deveria proteger. Hoje, as crianças que deveriam estar na escola estão contando os cadáveres de seus conterrâneos e parentes em uma praça pública, no meio da rua. O nível de trauma que isso causa em todas as pessoas que sobreviveram a essa carnificina é imensurável.
Não é possível que ser brasileiro pobre e negro seja uma condenação ou à morte ou a ser sobrevivente de recorrentes chacinas empreendidas pelo próprio Estado. Crime organizado se combate com inteligência, não com violência. Nem o mínimo de violência deveria sequer ser cogitado, imaginem isso que vimos ontem. Não podemos aceitar, não podemos achar isso normal. É duro demais ver as mães chorando por seus jovens filhos brutalmente assassinados. Nessa hora, não interessa se eram ou não traficantes, bandidos. Mãe nenhuma pare traficante. Mãe pare gente, e a toda a gente, no Brasil, deveria ser garantido o devido processo legal ANTES de qualquer condenação. E, no Brasil, não há pena de morte. O Estado não pode matar em praticamente NENHUMA hipótese. A polícia não pode matar em praticamente NENHUMA hipótese. Essas são instituições POTENTES e, por isso mesmo, não podem usar seu poder para matar.
Nessa hora, sempre alguém diz: “ah, mas os bandidos matam”. Sim, eles matam porque são bandidos. A polícia não pode se igualar a eles matando também. Quando ela faz isso, transforma o pior bandido de todos em vítima do Estado. Uma análise que desconsidere os aspectos sociais, éticos e humanitários da operação de ontem iria concluir que a polícia agiu e pensou de uma forma extremamente burra e ineficaz. Porque, além de tudo, o resultado disso tudo em termos de redução da criminalidade será igual a zero. Nada vai mudar. O PCC e o Comando Vermelho seguirão fortes e armados até os dentes, criando um ciclo de terror retroalimentado pela própria polícia.
E, agora, as pessoas que foram resgatar os corpos dos mortos no mato estão sendo acusadas, pelo governador, de adulteração de cadáveres. As pessoas tentando identificar seus mortos sem ajuda nem de bombeiros, nem de IML, muito menos da polícia, estão sendo acusadas de adulteração dos cadáveres que foram deixados pela polícia para apodrecerem no meio do mato. A cada segundo que passa, o nível de horror e crueldade da coisa vai aumentando.
Ninguém aguenta viver (e morrer) assim. Isso tem que parar. Da perspectiva que eu vejo - das mulheres - essa guerra, assim como todas as guerras, não tem vencedores. Ela é só uma MATANÇA seguida por um duro trabalho de reconstrução - física, moral, urbana, afetiva e psicológica - que será feito por nós, mulheres.
Esse governador precisa ser responsabilizado. Tem que renunciar, parar de falar asneiras e, sobretudo, ter seu ímpeto assassino bloqueado. Não é possível que ele vá até a televisão dizer que essa operação foi bem sucedida e que está promovendo a segurança pública por sobre mais de uma centena de mortos.
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Gabriela Tunes é escritora da Terra Redonda Editora.





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