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Algo sempre nos escapa

Rita Balduíno, 24/11/2022


A vida é um simples aroma, a vida emana do ser

como um cheiro emana da substância e

a planta do riacho deve ressumar a alma da água.

Gaston Bachelard


"Tarde demais pra resistir" parece ser uma declaração de entrega. Aquele momento em que só resta ao poeta resgatar toda a poesia que, tendo brotado da gaveta da escrivaninha, espalha-se pela casa.


Os poemas de Maurício de Alcântara Marinho são escritos em folhas outonais e dão testemunho da perene necessidade do poeta de transbordar afetos e desejos, assim como de traduzir encontros, desencontros, pensamentos e sensações em versos. Escritos ao longo de 36 anos, revelam que os fios emaranhados pela lida, compridos até perder de vista, mas que cabem na palma da mão, se misturam com a linha da vida, presente na mão de quem escreve. Assim, a lida do poeta pode ser lida por nós.


Ao ler este livro não pude deixar de lembrar de Gaston Bachelard, em A Água e os Sonhos, que nos fala da água como um elemento transitório, que o ser voltado à água é alguém em vertigem e que este elemento, fluido e maleável, está sempre aberto para compor-se com os outros elementos, demonstrando toda sua potencialidade para relacionamento.


Assim, sob a força imaginante de paisagens aquáticas a imagem do outro, este outro amado e desejado, pode se constelar na alma de quem sonha.

Tarde demais pra resistir é embriaguez da paixão, cujo fogo de menino atiça o verbo para aquecer o alimento. Os Ingredientes deste livro nos dão indicações de que, para o poeta, a vivência em si não é suficiente, que a paisagem em si não é suficiente, que o amor em si não é suficiente. Algo sempre nos escapa.

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