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O menino e os livros



Adriel Bispo de Souza, que faz resenhas literárias e sonha ser escritor, está com quase 300 mil seguidores no Instagram e deixa mensagem antirracista: 'Parem de mandar ódio para as pessoas. Melhorem, porque o mundo está precisando de mais energias boas nesse pandemia'


David Barbosa O Globo 29/05/2020


“Em pleno século 21, pessoas ainda são racistas?”. Quem questiona é Adriel Bispo de Souza, de 12 anos, poeta e criador da página no Instagram @livrosdodrii. Alvo de mensagens ofensivas na última quarta-feira por ser negro e gostar de ler, o menino viu seu perfil de resenhas literárias saltar de 242 para 285 mil seguidores em menos de 24 horas.

Acompanhado de perto pela mãe, Deise, o jovem influenciador havia retomado as resenhas literárias há menos de uma semana, após dar um tempo nas leituras para ajudar a cuidar do padrasto, vítima de um acidente vascular cerebral no ano passado. Enquanto ficou longe das postagens, Adriel chegou a vender a maior parte de sua coleção de livros, que somava mais de 180 obras.

— Minha mãe precisou deixar o emprego e passamos por algumas dificuldades financeiras. Fui a um sebo e vendi quase tudo. Hoje tenho 31. Só deixei os meus preferidos e os que ganhei de presente — relata.

Na última quarta-feira, ao abrir sua caixa de mensagens do Instagram, Adriel foi surpreendido por um perfil desconhecido que lhe escreveu mensagens racistas e preconceituosas. Diziam: “Porco gordo. Eu achava que preto era pra estar cavando mina, não lendo. Para de ser trouxa e volta para a sua realidade. Você foi criado para ser preto e pobre”. Em resposta, o menino denunciou o caso em sua página e escreveu: “Tenho orgulho de ser negro. O racismo e o preconceito ainda têm uma taxa muito alta, mesmo nessa sociedade atual em que nós vivemos. E isso é uma coisa muito ruim, já que 50% da população de hoje são pessoas negras.”

— Ele chegou muito chateado e me perguntou o que responder. Eu lhe disse, “meu filho, não responda na mesma moeda. Responda à altura”. Queria que ele mostrasse o orgulho que tem da cor dele. E foi o que ele fez — conta Deise, que, até o momento, preferiu não levar o caso à delegacia de crimes virtuais.

Morador de Salvador, na Bahia, Adriel começou a ler aos 5 anos, mas conta que só se apaixonou de fato pela literatura aos 9. O primeiro incentivo veio da madrinha, que sempre o presenteava com livros. Passou a gostar tanto que levava para casa as obras que encontrava no lixo e fez amizade com as bibliotecárias da escola. Logo em seguida veio a página no Instagram, criada para compartilhar suas opiniões sobre as histórias que devorava.

— Nem sempre tenho dinheiro para comprar livros, mas, o que posso fazer para incentivar, eu faço. Construí uma prateleira, forrei a parede do quarto com revistas em quadrinhos... Tudo para ele viver no mundo dele — relata a mãe, orgulhosa.

Fã de histórias policiais e de fantasia, Adriel conta que seu livro favorito é "The Kiss of Deception", de Mary E. Pearson, que narra a história de uma princesa adolescente que abandona seu reino após fugir de um casamento arranjado. Outro que o menino adora é o clássico "O Pequeno Príncipe", de Antoine de Saint-Exupéry, o segundo que leu na vida.

Além das mensagens de apoio, Adriel também está recebendo presentes dos novos seguidores. Depois de ter vendido parte de sua coleção, ele diz que está ansioso para abarrotar o quarto outra vez com páginas:

— Não sei o que são, mas imagino que sejam livros. Não vejo a hora de chegarem — conta, empolgado.

Após publicar a denúncia, o menino recebeu apoio de pessoas em todo o mundo, inclusive de famosos, como a campeã do Big Brother Brasil 20, Thelma Assis, e de empresas como a rede de livrarias Saraiva. Categórico, faz questão de informar: ataque nenhum o impedirá de continuar investindo na literatura:

— Estou em êxtase por saber que tantas pessoas ficaram comigo naquele momento. A mensagem que eu mandaria para esses racistas é: parem de mandar ódio para as pessoas. Melhorem, porque o mundo está precisando de mais energias boas nesse pandemia — afirma.


Adriel Bispo de Souza, morador de Salvador e amante de literatura, compartilhou em sua página as ofensas que recebeu e logo ganhou apoio dos internautas

O ataque sofrido por Adriel logo repercutiu nas redes sociais. Winnie Bueno, criadora do projeto que conecta pessoas e livros (Winnieteca), denunciou o caso e pediu que seus seguidores enchessem o menino de amor: "Ele é uma criança. Uma criança sendo atacada de forma vil, desumana e cruel", publicou.

Em meio a um ataque, muito amor e apoio surgiu. Adriel ainda recebeu mensagens do ator Bruno Gagliasso, da campeã do Big Brother Brasil Thelma Assis, teve um fã clube criado em sua homenagem e conseguiu uma assessora para ajudá-lo a cuidar de sua página no instagram, agora com mais de 200 mil seguidores.

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