Livro "Isto não é Direito" reúne "contos sobre o Estado e (in)justiça no Brasil"
Frederico Vasconcelos, Folha de S. Paulo, 3/1/2022
O IBAP (Instituto Brasileiro de Advocacia Pública) publicou uma obra coletiva intitulada "Isto não é Direito". Reúne textos finalistas do 2º Concurso Literário da Revista PUB - Diálogos Interdisciplinares. (*) São "contos sobre o estado e (in) injustiça no Brasil".
O organizador da coletânea, Guilherme Purvin, presidente do IBAP, diz que os autores finalistas "se insurgem contra a atual situação jurídica, política, social e ambiental a que chegou o nosso país, ora no limiar do estado de exceção".
O lançamento é da Terra Redonda Editora. As ilustrações são de Gavin Adams, um dos membros da Comissão Julgadora.
Em 2018, foi promovido o primeiro concurso, que resultou na publicação do livro "Brasil 2029 - Contos Góticos e Pós-Apocalípticos", coletânea de 18 contos selecionados dentre os 33 textos enviados. Teve como patrona a escritora inglesa Mary Shelley.
Neste segundo concurso, com 66 concorrentes, foram homenageados Franz Kafka e Graciliano Ramos, "sempre lembrados pela denúncia do arbítrio e do autoritarismo", como observa Ana Cristina Leite Arruda, presidente do Sindiproesp (Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo).
"Sempre houve descontentamento com imperfeições na ordem pública do Brasil. Nos últimos anos, porém, a disfuncionalidade da sociedade brasileira cresceu", diz Alfredo Portinari Maranca, presidente do Sinafresp (Sindicato dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo).
Os dois sindicatos foram parceiros e apoiadores do programa do IBAP.
O edital do concurso estabeleceu que no livro não haveria nenhuma divulgação da ordem de classificação dos finalistas selecionados. Houve sorteio e distribuição aleatória, "para apagar qualquer vestígio de pontuação das notas".
Também de forma aleatória, o Blog selecionou o conto "Arqueologia de um óbito ou a bestialidade do nosso tempo", de Ana Cristina Ribeiro Bonchristiano, A autora é formada em Letras pela USP e nasceu em São Paulo, em 1966.
Segundo ela, "os patronos do concurso, Kafka e Graciliano, provam que a literatura não é neutra".
O texto a seguir é um resumo livre do conto kafkiano de Bonchristiano.
A.S. está na Defensoria Pública aguardando há 50 minutos o número de sua senha para ser atendido. A ex-mulher ligara para reclamar que a pensão da filha de dez anos não havia sido depositada. O valor era debitado pelo INSS diretamente, sem passar pela conta de A.S.
No banco, informaram que a conta estava zerada. No INSS, informaram que a aposentadoria havia sido extinta porque o beneficiário, A.S., estava morto.
"O computador diz que eu morri no dia 20 de julho de 2019 e isso já faz duas semanas", A.S. registrou.
A defensora que atendeu A.S. passou uma lista de documentos que ele deveria trazer. E pediu ao hospital cópia do prontuário médico de A.S.
A funcionária do hospital explicou que o prontuário era privativo da família do falecido.
Sem dinheiro, sem crédito no celular, despejado por não pagar o aluguel e morando na casa de um amigo, A.S. foi à delegacia e fez um boletim de ocorrência.
A declarante do óbito, M.R., sua ex-mulher, foi acusada de falsidade ideológica.
A.S. entrou com ação na Justiça para cancelar o registro de óbito e requerer o restabelecimento da aposentadoria.
M.R., de 60 anos, foi conduzida coercitivamente à audiência. Ela confirmou ao juiz que foi "declarante do óbito de meu marido, A.S., com quem vivi uns 20 anos, e que morrera de cirrose".
"Nunca vi esse senhor presente aqui nessa sala e ele não se parece nem um pouco com meu falecido marido", completou, referindo-se ao denunciante.
No início de janeiro de 2020, A.S. novamente aguardava na fila do INSS. Foi entregar a sentença e o ofício do juiz determinando a volta da sua aposentadoria.
Finalmente havia sido cancelado o registro de óbito que fora feito errado em 20 de julho de 2019.
Para conferir a solução do enigma e o desfecho do processo kafkiano, recomenda-se a leitura integral do artigo na coletânea.
(*) Foram finalistas os seguintes escritores: Alberto Zorigian Gonçalves de Souza; Ana Cristina Ribeiro Bonchristiano; Bruna Balbi Gonçalves; Bruno Pinheiro Ivan; Camila Bonino Nasi; Carolina Di Beo; Fabíola Menezes de Araújo; Gean B. Moraes; Ida Mara Freire; J.M. Progiante; Joaquim Serra; Leonardo Maia; Luis Eduardo Amorim Tagima Guedes; Mariana Barbosa Cirne; Marina Yukawa; Rafael Pedrozo Rossetti; Rodrigo Ortiz Vinholo; Sâmella Michelly Freitas Russo; Vanilson Rodrigues Fernandes; Victor Cantuário e Wellington Pereira Carneiro.
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