Por Beatriz Di Giorgi
Desde meu nascimento, a íris de um dos meus olhos, acho que do direito, fugia, de vez em quando, para fora. Isso acontecia quando eu estava cansada ou muito nervosa.
Aos quatro anos fui ao oftalmologista, que tinha certeza que eu sabia quando estava estrábica, pois supunha que eu via dupla imagem quando isso acontecia. Eu não via imagem dupla nenhuma. E sempre era avisada que meu olho "fugiu" e estranhava.
Uma vez algum adulto reparou na minha vesguice e perguntou se meu estrabismo era divergente ou convergente. Eu sabia que era divergente e respondi, triste, porque a pergunta evidenciava que ele tinha notado.
Minha mãe falou no meu ouvido: "da próxima, responda: meu estrabismo é de ver bobo na minha frente."
Achei graça e a dor passou.
Passou um tempo e o oftalmo indicou que eu fizesse uma cirurgia corretiva, dizendo que era simples. Minha mãe, que tinha perdido uma irmã, com 13 anos na mesa de cirurgia de retirada de amígdala, não achava simples. E foi pedindo segunda, terceira e quarta opinião médica até encontrar um médico que disse que meu estrabismo poderia ser corrigido por exercícios oculares.
E lá fomos, eu e mamãe, durante meses ao hospital do servidor público estadual fazer o tratamento.
Era uma máquina onde eu encaixava os dois olhos e via duas imagens separadas. As vezes era um presidiário e a cela, ou um leão e a jaula ou um passarinho e uma gaiola. Eu rodava uma manivela na parte externa da máquina e juntava as imagens.
Achava horrível ter que prender o homem, o leão e o passarinho para curar meu estrabismo divergente.
O estrabismo se tornou raro depois do tratamento, mas a divergência não saiu de mim e a palavra discordo sempre ocupou lugar de uso frequente no meu vocabulário.
Inclusive discordo do lugar onde nos encontramos hoje, presos no tempo. Me sinto como presidiária, leoa e passarinha impedida de movimento. Será que tem um ser imenso no universo tratando de um estrabismo divergente e juntando as pessoas a um lugar confinante?
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Beatriz Di Giorgi é autora da Terra Redonda editora, tendo publicado um ensaio no livro Ensaios da Quarentena - Pandemia: sonhos e ações. Atualmente, prepara um livro de poemas, ilustrado pela artista plástica Sandra Martinelli.
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