Tania Celidonio
Minha mãe sempre quis publicar em livro as experiências, sensações e reflexões sobre a relação dela com os pais e irmãos. Uma viagem por mares revoltos, fazendo emergir histórias de seres humanos não adaptados à vida que costumamos definir como normal. Uma tentativa de enfrentar os abismos que interrompem trajetórias que pareciam destinadas ao sucesso e à felicidade.
O livro foi escrito entre 1974 e 1988 e já tinha um título – Ouvindo Beethoven pelo Telefone –, resultado, segundo ela, de um ato falho durante a conversa com o psicanalista. Um eco dessa ligação “telefônica” com Beethoven refletiu-se num poeminha escrito por ela em 1975 para a neta Mariana, minha filha, entre vários outros, aparentemente desconexos mas que, para ela e para nós, faziam todo o sentido do mundo:
Mariana viola
da surda ouvinte
de Beethoven
pelo fone satélite
piscando sobre o mar
Quando o satélite acabar
em que órbita girar?
Que viola tocar na fria viagem estelar?
Mariana
Saturno é longe
impossível o amarelo
do infinito distante
Passaram-se muitos anos e muitas tentativas de publicação. A vida atropelou desejos e projetos, e os textos se esconderam em alguma gaveta abandonada.
Ela morreu em 2006 sem editar o livro que tanto queria. O texto original e alguns rascunhos saíram da gaveta e vieram morar comigo. Li, reli, escrevi e reescrevi. Decidi que poderia me permitir essa liberdade e criei uma sequência de eventos que conduzem o leitor a um labirinto de sensações e fotografias imaginárias de afetos e conflitos.
Há muitas tramas que envolvem uma vida de 74 anos. No caso de mamãe foram muitas as frustrações, e ela sucumbiu a um quebra-cabeças de emoções reveladas, mas não resolvidas. Foi uma mulher de inteligência brilhante, tradutora de mão
cheia, apaixonada por psicanálise, música e pelas netas. Minha filha e minha sobrinha.
Agora que sua morte descansa no tempo, sinto que valeu a pena invadir um espaço que foi só dela, mas que muito tem a ver comigo. Optei pela intromissão para misturar-me com suas frases e construir outras possibilidades de narrativa. O resultado dessa simbiose está nas páginas e ilustrações a seguir. São vozes que se multiplicam para além das gerações, sentimentos que se organizam para não se perderem em meio ao caos.
Mãe, irmã, filha, sobrinha… As páginas de "Ela, eles e todos nós" existem porque estamos juntas nesta viagem interminável.
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Tania Celidonio nasceu em São Paulo. É jornalista e foi repórter e editora em várias emissoras de rádio e televisão. Trabalhou como roteirista, dirigiu documentários e em 2018 publicou o livro “Mistérios da Libido na Velhice”. Em 2020, escreveu o texto do espetáculo online “Só Acaba Quando termina – Crônicas do Desejo na Velhice”.
"Ela, eles e todos nós" saiu em 2020, como edição de autora. É publicado agora, em 2ª edição, pela Terra Redonda. O livro será lançado em São Paulo no dia 3/12 e está em pré-venda promocional no site da Terra Redonda.
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