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Aloysio Biondi, perfil biográfico inédito por Thais Sauaya

Hoje, 11/06/2020, Thais Sauaya completaria 61 anos. Em memória dela, a Terra Redonda Editora lança hoje o livro Aloysio Biondi: resistência ética e grandeza no jornalismo, uma homenagem dela ao jornalista que ela tanto admirou.

Thais, presente!

Leia abaixo o prefácio do livro, escrito pelo amigo, professor e jornalista André Singer.

Para conhecer o livro, clique na foto da Thais.



O jornalismo como missão

André Singer


Na quarta-feira, 19 de dezembro de 2007, Thais Sauaya defendia, na Faculdade Cásper Líbero, o trabalho de conclusão de curso (TCC) que a permitiria, legalmente, exercer a profissão que escolhera de maneira tardia. Formada em Química pela Universidade de São Paulo, quase 30 anos depois abraçou o jornalismo e decidiu cursar nova graduação para estar por completo habilitada aos novos afazeres que escolhera.

Para tema do TCC, que agora se faz público por meio deste livro, Thais escolheu personagem destacado das redações. Aloysio Biondi, que morrera sete anos antes, fora um dos principais jornalistas de sua geração. Homem polêmico, inventivo e talentoso, marcou os ambientes em que esteve e imprimiu selo particular ao debate dos anos 1970 aos 1990.

A trajetória de Biondi – de jovem estudante finalista no “Concurso Pan-Americano” em São José do Rio Pardo em 1951 a redator maduro do livro O Brasil Privatizado (Fundação Perseu Abramo, 1999) – é contada de maneira simples

e direta (como ele gostaria). Artigos, entrevistas publicadas e depoimentos colhidos ilustram a vida do biografado. Não há uma interpretação explícita a guiar o leitor. As passagens da vida vão sendo relatadas em ordem cronológica de modo a compor a memória do percurso (o que não seria pouco).

Mas nas entrelinhas surge ambição maior. Aloysio Biondi fez parte de um grupo heroico da imprensa nacional. Nascido em 1942 no interior de São Paulo, formou-se no período pré-1964, quando o país tentou ingressar na modernidade capitalista ao mesmo tempo incluindo a população historicamente marginalizada pelo tipo de capitalismo aqui dominante.

Tendo começado a trabalhar cedo na então Folha da Manhã, hoje Folha de S. Paulo, Biondi levou para a etapa pós-golpe, quando o sistema da grande imprensa se consolidou, a postura que herdara das batalhas desenvolvimentistas de 1950 a 1960. Acreditava no jornalismo como missão cívica e não poupava esforços se o que estava em jogo era o destino do Brasil. Jornalismo, para ele, não era mero ganha-pão.

Aos poucos, emerge das páginas de Aloysio Biondi: resistência ética e grandeza no jornalismo um conjunto de lutas que, para além do indivíduo, caracteriza uma época. A batalha contra corretores inescrupulosos, que ludibriavam pequenos investidores na Bolsa de Valores entre 1971 e 1972. A denúncia da ciranda financeira na segunda metade dos anos 1970. As polêmicas com Herbert Levy, Delfim Netto, com os economistas da Unicamp, entre outras, sobre os destinos da economia brasileira. Por fim, a crítica acerba às privatizações de Fernando Henrique Cardoso nos anos 1990, com as 130 mil cópias vendidas de O Brasil Privatizado.

O traço comum aos episódios revela um honesto compromisso com o coletivo. Certo ou errado, justo ou injusto, lúcido ou mais preso ao imediato, a argúcia e capacidade de trabalho de Aloysio sempre traziam interesse ao material que publicava. É provável que até mesmo os alvos das críticas se beneficiassem delas. No mínimo, não podiam ficar indiferentes.

Não cabe aqui retomar, por exemplo, a velha discussão a respeito do crescimento na primeira metade da década de 1980. Mas interessa observar que, provavelmente, Aloysio tinha razão no imediato, ao identificar surtos de atividade econômica, embora os partidários da longa recessão estivessem certos no longo prazo. De fato, foi uma década perdida.

Agora que, desde 2015, atravessamos outra fase de baixa duradoura, é oportuno rever a biografia de Biondi esboçada por Thais, que certamente queria mostrá-lo como exemplo a ser seguido. Se os temas de tanto tempo atrás retornam como assombrações para atormentar o cérebro dos vivos (Marx), voltam também os exemplos de coragem, inteligência e artesanato que Biondi legou.

Convidado a fazer parte da banca examinadora de Thais naquela noite de quarta-feira, recebi um bonito volume encadernado em capa dura cinza que atravessou intacto até aqui quando volto a consultá-lo para escrever este prefácio. As páginas que biografam Biondi falam também da autora. Revelam que, ao estender um fio de memória intergeracional, Thais desejava dar continuidade à missão empreendida por Biondi nas novas condições que se apresentavam no início do segundo governo Lula.

Vítima de enorme azar, quinze meses mais tarde, Thais, lídima representante da batalhadora geração de 1977, morreria jovem em acidente rodoviário, não podendo continuar a desenvolver a causa que a levara ao jornalismo. Por uma coincidência nefasta, o patrono que havia escolhido também partira cedo, morrendo aos 64 anos.

Coube aos que ficaram carregar a chama que ele acendeu e Thais quis perpetuar. A publicação deste volume cumpre ao menos parte da tarefa.

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André Singer é cientista político, professor e jornalista; foi secretário de redação do jornal Folha de S. Paulo (1987-88) e porta-voz da Presidência da República, entre 2003 e 2005 e Secretário de Imprensa de 2005 a 2007, no governo do presidente Lula. É professor de Ciência Política na USP.

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