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A militante contra a ditadura e poeta Guanaíra Amaral

O lançamento do livro de poesias de Guanaíra Amaral, ‘Contraponto’, acontece nesta sexta-feira (20), no Armazém do Campo, em Santo Antônio, Recife.



Quando eu a conheci, ela era cunhada de Jarbas Pereira Marques, um dos assassinados sob tortura no chamado massacre da Granja São Bento. E continua a ser cunhada de Jarbas Marques até hoje, porque a marca da ditadura não se apagou. Mas como dizê-lo? Guanaíra passou pelo trauma com a destreza de quem assistiu a um filme de terror. Que ela viveu, e por isso trabalha como psiquiatra contra a violência infame e covarde da tortura e do trauma.


Quem não conhece Guanaíra, saiba que ela era magrinha nos anos 70, e nesse particular não mudou em 2023. Um poeta marginal do Recife diria que esta é a razão da sua magreza: “Poemas, Meu alimento diário”.


Mas seria só uma irreverência dos poetas marginais. A razão maior é outra. Baixinha, franzina, ela é uma energia que pareceria nascida de 7 meses, e por isso continua até hoje a nascer para o mundo. Imaginem, ela é frágil no corpo, mas isso engana. Ela é forte e grande, crescida pela vida de guerra política no Brasil e estudo. Vaidosa da aparência, reage quando desejei saber da sua idade: “Que pergunta!”, respondei. Mas é sincera, até para mostrar que não liga pra essas bobagens de vaidade, fala que tem 73 anos.


Mas ela está certa, porque ninguém lhe dá os próximos 74, e sobre isso não se fala nem se nota. O mais importante: Guanaíra é médica psiquiatra, atendeu a ex-soldados da guerra do Vietnã, na Austrália, e a torturados no Brasil.


Se tais marcas da sua vida não soubéssemos, talvez não entendêssemos sob que mistério se faz uma poesia tão boa de direitos humanos. A poesia de Guanaíra Amaral é militante sem qualquer obediência à última moda. É poesia militante porque é memória da ditadura, dos traumas que passaram por nós e não saem. Se não, sintam, olhem e reflitam:

“Aos jovens de 68 Havia um ponto na rua deserta aberta para um mundo sem tempo. Não havia exclamação nem interrogação nem uma vírgula sequer havia. E eu nem sabia se era o ponto certo nem se o tempo era correto. Não se havia tempo naquele tempo de pontos parados na rua deserta. Era apenas um ponto. Havia medo mas um sorriso congelou o tempo e o ponto se foi carregando uma luz e uma lista dentro da revista. Naquele tempo não havia tempo para escapar do ponto. E era apenas um ponto aberto ao infinito”.

Mas que realização mais bela! Quem guarda a memória da ditadura sabe que nos versos acima se encontram poesia e verdade. Se não exagero, penso que um poema assim bem pode realizar uma vida. Mas Guanaíra, como se de nada soubesse, ainda escreve:

“Não escrevo poemas, apenas liberto meus medos dessas amarras sociais e casuais. E como mariposas inquietas estão à espera…”

Ah é? E esta linda sobre o padre Henrique, assassinado de modo vil no Recife, destaco estes versos:

São cintilantes estrelas que povoam a praça de Henrique. Henrique, o padre. Todos juntos como numa nebulosa invadem a praça, Como gritos, sombras, numa dança acorrentada, Como a justiça dos homens, lenta, parcialmente ordenada. A Praça de Henrique, Henrique, o padre. Explode num grito, invade as ruas desertas, penetra no rio e caminha para o mar. No último querer, feito de dor, Liberdade e justiça. Henrique, o padre, Que saudade de você”.

E leio ainda:

“Poemas, pedaços de esperanças, Acorrentados, Como esse amor feito de amanhãs Nunca alcançados. Poemas feitos de janelas abertas E portas fechadas, Que me fazem caminhar descalça E sem direção, Esse caminho serpenteado. Poemas, meu alimento diário. Não escrevo poemas, apenas, envio ao infinito um apelo…”.

Modesta, Guanaíra fala que seus poemas foram escritos para amenizar suas dores e suavizar as saudades do Recife e da sua gente. Quando lhe sugeri que o lançamento do livro deveria ser noticiado na TV Globo Nordeste, ela me respondeu: “Não precisa. É muito para mim”. Discordei, mas nada lhe disse. Então fico com o insinuado nos seus versos:

“Gosto de tudo Que não é ainda”.

Para mim é claro: Guanaíra sempre foi amante do socialismo. O lançamento do seu livro de poesias Contraponto acontece nesta sexta-feira (20), no Armazém do Campo, Avenida Martins de Barros, 387 – Santo Antônio, Recife, das 18 até as 20 horas.

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